domingo, 26 de julho de 2009

"JÁ ALGUMA VEZ TIVESTE QUE A USAR?"

É sempre a primeira pergunta que eles fazem, depois de lhes dizermos que praticamos artes marciais. "Já alguma vez tiveste que a usar?" Apesar de estar seguro que estas pessoas têm boas intenções, e que provavelmente só querem demonstrar interesse, elas não sabem a falta de compreensão que tal pergunta revela. Para muitas pessoas, a arte marcial é como um instrumento que carregamos à volta do cinto, uma arma para ser quebrada em tempos de sarilhos. Para mim, esta opinião acerca da nossa arte marcial é um pouco perturbadora.
Qualquer artista marcial sério, de qualquer estilo, compreende que a sua arte é um modo de vida. Nós praticamos exercícios de respiração no trânsito, fazemos uma preparação mental à medida que o professor nos entrega os exames, ou baixamo-nos para o chão para ver um gato alongar-se. Para muitos de nós, a arte marcial atrai-nos, não pelo seu aspecto físico - a aeróbica ou a dança seriam suficientes se isso fosse tudo o que quiséssemos - mas pelos seus componentes estratégicos, intelectuais e espirituais. Não devemos deixar ser categorizados tão limitadamente por pessoas que não percebem esta motivação. Para combater esta tendência, temos de compreender a sua fonte. Este editorial irá tentar dar uma breve descrição daquilo que acredito ser a fonte do problema, e irá oferecer algumas pequenas sugestões para dissipar esta ma interpretação sobre o nosso modo de vida.
Para muitas pessoas, o primeiro contato com as artes marciais é, provavelmente, feito através da televisão e dos filmes. Lembro-me do velho programa de televisão "Kung Fu" ser um dos meus favoritos quando era criança. Apesar de agora ter de admitir que o ponto forte do programa era a sua moralidade quase mística, e não os combates, as partes de combate eram o que eu e os meus amigos imitávamos no dia seguinte. Não se pode negar que a nossa arte é urna arte de combate; o uso controlado da agressão e a ameaça da violência estão no centro das nossas vidas, e isto é o que muitas pessoas vêm quando as examinam.
Contudo, é a auto-disciplina, o ímpeto e a ênfase na moralidade que nos separa das outras formas de violência organizada. Primeiro ensinamos a reconhecer uma situação potencialmente perigosa antes mesmo de esta se manifestar, e a tratar sempre os outros com respeito e humildade. Os artistas marciais sérios que tenho encontrado nos meus anos de estudo são tudo menos rufiões brutos à procura de brigas. Pelo contrário, quase todos eram indivíduos refinados e educados que procuravam, continuamente, melhorar-se em todos os aspectos concebíveis. As suas ações eram motivadas por um sentido de wude (moralidade marcial) e, nunca por sentido de auto-glorificação. Eles testemunharam a profunda mudança que as artes marciais podem trazer às suas vidas, e pretendem aplicar essa força construtiva ao maior número possível de áreas diferentes das suas vidas.
Para tornar a nossa arte mais aceita por um maior número de pessoas, temos de dominar este ímpeto e transformá-lo num objetivo de educação. Temos, primeiro, de nos empenhar em educar não só o grande público, corno a nós próprios. Um sábio lutador escreveu que uma pessoa de estratégia tem de conhecer todas as artes e tem de desenvolver uma compreensão de tudo. Educar-nos a nós mesmos para que possamos cruzar com os outros como lutadores acadêmicos, em vez de rufias arrogantes e intimidadores, é a forma mais eficaz e única de nos livrarmos da imagem estereotipada que o cinema e o público nos têm aplicado. Se estiveres na escola, fica. Se desistires, volta, ou pelo menos tenta alcançar um grau equivalente. E, finalmente, não importa quem ou onde estás, lê um livro, qualquer livro. A simples fome de conhecimento de qualquer tipo não só te irá melhorar, mas como elevar a nossa arte aos olhos do mundo. Desta forma, da próxima vez que uma pessoa te perguntar se alguma vez tiveste que a usar, poderás explicar-lhe que não é algo externo que nós usamos, como uma chave de fendas ou um martelo, mas sim, algo que nós incorporamos no nosso ser, e que o fato mais surpreendente é que não te lembras quando é que foi a última vez em que não a estiveste a usar.

3 comentários:

  1. caramba, ficou foda
    nunca mais esqueço desse texto
    escreve um livro joão \o

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  2. Concordo *o*
    Tu ia ficar rico João =)

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  3. caramba, sifu joao.. isso foi muito, mas muito tocante mesmo. Pretendo mostrar a meu pai esse texto pra ver se ele compreende que nao é mais uma brincadeira ou uma "fase", mas realmente todo um estilo de vida que a pessoa assume e que é muito bonito ^^ É esse tipo de visao que me faz ter satisfaçao em tomar parte desse modo de viver a partir do shaolin do norte ^^
    vlws, joao!

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